
Gabriel Medina e Kolohe Andino são dois dos mais promissores talentos da nova geração e vão estar lado a lado no WT do ano que vem. (Fotos: ASP)

Todo mundo sabe que o jornalismo, às vezes, pode ser muito injusto.

Todo mundo sabe que o jornalismo, às vezes, pode ser muito injusto.
Hoje, no entanto, me deparei com um daqueles casos em que o jornalismo acaba por ser muito injusto com o próprio jornalismo.
Li agora há pouco a matéria da ótima edição de aniversário de 28 anos da revista Fluir, em que os dois talentos da nova geração, Kolohe Andino e Gabriel Medina, são postos lado a lado e comparados sobre quem está no caminho certo para se tornar um top dominante do Circuito Mundial.
Bem, para quem não sabe como funciona o fechamento (deadline) de uma revista, ele acaba sendo bem anterior à época em que ela chega às bancas. Os textos precisam ser revisados, colocados na página (chama-se diagramação), finalizados com títulos e legendas, e depois, o produto final da revista ainda precisa de algum tempo para ser impresso em uma gráfica.
Posso estar enganado, mas a impressão é que, por se tratar de uma edição de aniversário, com mais páginas e matérias, o deadline acabou sendo ainda mais anterior que o normal.
A matéria, que traz a perspectiva norte-americana de Lewis Samuels e a brasileira de Alex Guaraná, conclui o óbvio para o momento em que ela foi escrita: Medina estava a léguas de vantagem de Kolohe, já que havia ganho diversas competições internacionais e já estava classificado para o WT. Enquanto isso, o norte-americano ainda precisava ganhar alguma coisa fora do seu País.
A referência de campeonato mais recentes citado na matéria era o Prime de Imbituba, que em termos de calendário do Tour, aconteceu em um já longíquo início de junho.
Estamos em novembro. De lá para cá, tivemos mais cinco outros primes, um punhado de seis estrelas e uma quebra de meio-de-ano no World Ranking, que determinou a entrada de Medina na elite. E outras três etapas aconteceram já com o jovem brasileiro como integrante permanente - esta semana estamos na quarta.
Além de ser campeão com uma atuação fantástica em Imbituba, Medina prosperou muito de lá para cá. Praticamente cravou a vaga na elite já no prime seguinte, quando foi vice em Portugal. Ainda ganhou, em sequência, dois 6 estrelas e um Pro Júnior na Europa, e, de quebra, estreou no WT com um título já em seu segundo evento, o Rip Curl Pro France.
O problema é que, desde Imbituba, Kolohe também prosperou bastante. Logo vieram o 3° lugar no prime de Huntington Beach (inclusive com vitórias sobre Dane Reynolds e John John Florence, americanos mais reverenciados na matéria que o próprio Kolohe) e as quartas no prime de Açores, em Portugal. Em seguida, dois títulos de seis estrelas no Brasil que praticamente o garantiram no WT do próximo ano.
Resultados bem inferiores ao de Medina, não há qualquer dúvida nisso, mas o que surgiu como grande déficit do norte-americano na matéria da Fluir também acabou superado. Vitórias internacionais e, ainda por cima, no País do "rival". De quebra, a vaga na elite, algo que parecia uma hipótese quase inexistente para os jornalistas, ao menos por agora.
Na minha humilde opinião, dizer quem é melhor agora é algo que sequer merece discussão. Medina está na elite, tem um título na elite, sobe sem parar no ranking e já obteve um respeito pelo qual Kolohe só terá a chance de lutar a partir do ano que vem.
Agora, a distância entre a possibilidade de confronto entre os dois aconteceu muito mais rápido que quem termina de ler a matéria pode pensar.
É aí que o jornalismo - a necessidade de fazer uma matéria comparativa com duas promessas tão novas, que viviam momentos bem distintos, e ainda a sempre perigosa armadilha do deadline da revista, que transforma uma pauta sobre um assunto quente em uma matéria fria - acaba sendo muito injusto com o próprio jornalismo.
Ainda sobre a matéria, um ponto que me causou um certo incômodo foi ver que às vezes não há a preocupação em que nós, brasileiros, evitemos de fazer o que tantos reclamamos que os gringos fazem conosco.
A análise brasileira não apenas enaltece Medina (o que é totalmente justo), mas desanca o pobre do Kolohe, que, segundo a matéria "talvez não consiga nem ir muito longe no Circuito Mundial". Faz avaliações psicológicas sobre o pai do surfista, o ex-pro Dino Andino: "o esforço em fazer do filho uma continuidade do seu desejo em tornar-se um surf star não me parece saudável" ou "Kolohe Andino é apenas vítima de um pai, talvez frutrado, que desde cedo tentou criar seu filho para acabar com suas próprias decepções", diz o texto.
E ainda finaliza com uma previsão nada otimista sobre o "pseudorival" do brasileiro, que, segundo o jornalista, "deve se tornar um novo Brett Simpson".
Certamente o norte-americano não leu a matéria da Fluir. Mas o que ele fez nos últimos meses não deixa de ser um enorme "cala a boca" no que foi escrito.
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